Tudo o que pensamos, vivemos, sentimos, queremos.

29 de maio de 2011

Acalma-te.

Eu quero o bem, quero o mal. Quero o denso, quero o breve. Quero aqui e acolá. Quero o mundo. Quero tudo. Quero o todo. "Acalma-te", pede a mãe. "Pés no chão!", insiste a mãe. "Não faz barulho!", implora a mãe. Ah, mãe! Se tu soubesses o sorriso que eu carrego bem dentro e o vento que me carrega bem alto, quem sabe tu desistias de me propor alguma calmaria. Ah, mãe! Se, certa vez, sentiste o peso em minhas costas, não questionaria o propósito dessas minhas asas. Uma vez no alto, vale a pena esse medo de cair.

Elisa Clavery

26 de maio de 2011

Coração.

Um miscigenismo de sentimentos. Uma desvairada vontade de acabar com o encanto. Calada está a boca enquanto grita o coração.

Como ter ciúmes de quem nem se sabe o nome? como se enamorar por alguém que quase não se vê? Ora, e o coração do homem algum dia foi terra de alguém? pode a anatomia dissecá-lo em mil partes e, ainda assim, não o entenderá.

Coração bobo, que de repente fica estranhamente aquecido e, como por um lapso, enlouquecidamente enciumado. Coração besta, que no sentir prazer alheio, pensa logo que é paixão. Ora, coração, nem conheces a moça, mas somente no trocar de palavras com um outro alguém, te cravas ódio. Tem tenência, coração, pois não podes amar latifúndios que já possui senhor feudal.

Sossega-te, coração, que nada é para hoje. Acalma-te, solidão, que sentimentos vão e vem. Não te enganes, coração, que gostar não é amar. Toma tenência, coração, pois embora os sentimentos fortes te pareçam, como a água do riacho logo se irá e nem te lembrarás. Acorda, coração, que tua mocidade anda a te espreitar pelas frestas, perguntando até quando perderás tempo oportuno. Desapega-te, coração, pois a moça que vês tem marido e aliança. Traiçoeiro coração, que sempre te atém àquilo que não é teu. Ah, como eu queria amar a mulher do meu amor e dar alento a este que esperneia tal qual louco desvairado, meu coração.

Cleison Brugger

21 de maio de 2011

Teatro grego.

Fidelidade juramos à alegria e à felicidade, mesmo que para tê-las, precisemos buscar lá longe. Mas da lamúria, esta pantera, distância não nos é suficiente. Não sabes que ninguém vive de sorrisos? há momentos onde o ressoar do instrumento é profundamente melindroso.

Serei fiel aos meus sentimentos, sofrimentos e lamentos. Quando a alma está pálida, não há razão para mascarar o rosto. Não sou ator de teatro grego. Não quero cera em minha face, para mostrar o que nela não há. Quero que o passante contemple minha dor e, se não quiser pranteá-la, ao menos a respeite. Quero que as chagas que no interior está, se externem. Sim, não quero sorrir quando estou a sentir dores. Sou uma só gente; ou rio, ou choro.

E se, no caminhar do caminho, eu chegar a beira do rio, epitáfio quero que se escreva. Não amigos, não parentes, não amores. Se alguém deve escrever o que no meu túmulo se lerá, esse alguém é o passante. Que ele escreva do que viu, e que seja sincero no que irá transcrever. Que reproduza: "estava cheio de amargura, e esta tal o levou a ingrata morte, mas hipocrisia não se viu em nenhum de seus momentos. Se riu, riu, mas se chorou, foi porque cessou o riso".

Cleison Brugger

14 de maio de 2011

Sonhar e viver.

Sonhei. Sonhei, mas não um sonho. Lembro que, no sonho, queria pensar estar sonhando, mas no sonho que sonhei, tudo aquilo não era um sonho. No sonho, fechava os olhos e abria, tentanto des-sonhar o sonho, mas o sonho que sonhei quis que eu continuasse sonhando. Lembro que chorava no sonho. Com razão chorava, enquanto sonhava algo que parecia não ser um sonho. Até que despertei.
*
Despertei, querendo que fosse um sonho. Despertei melindroso, com a alma gélida e com o rosto flácido. Ao levantar, quis deitar. Abri os olhos e logo os fechei, querendo sair da realidade em que estava, tentando re-sonhar o sonho que não sonhei; mas a vida que vivo não me permite viver de sonhos. Não acordei em choro, mas chorei enquanto acordado. Com razão chorava, quando vivia aquilo que embora eu quisésse que fosse um sonho, era a mais pura realidade.
*
A diferença entre o sonho que sonhei e a vida que vivo, é que, ao contrário do sonho que sonhei, a vida é uma constante. A diferença é que, vez ou outra, sonho estar em Pasárgada, enquanto na vida que vivo, vivo diuturnamente na motononia. A diferença é que, no sonho que sonhei, embora tenha sonhado com meus temores, acordei, enquanto na vida que vivo, ou vivo a vida, ou vivo um sonho que não se quer sonhar.

Entre viver e sonhar, tudo depende de como se sonha e de como se vive. Se mal, não há prazer, se bem, logo despertaremos.

Cleison Brugger.

Profundamente.

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Manuel Bandeira, in "Antologia Poética"

10 de maio de 2011

O poeta do castelo (1959)

Um documentário sobre o poeta Manuel Bandeira. Versos de Manuel Bandeira, lidos pelo poeta, acompanham e transfiguram os gestos banais de sua rotina em seu pequeno apartamento no centro do Rio; a modéstia do seu lar, a solidão, o encontro provocado por um telefonema, o passeio matinal pelas ruas de seu bairro.

9 de maio de 2011

Necessidade.

É preciso casar João,
é preciso suportar António,
é preciso odiar Melquíades,
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens,
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar o FIM DO MUNDO.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Sentimento do Mundo'

5 de maio de 2011

Homens não beijam homens.

Homofóbico. A palavra, por si mesma, não quer dizer o que, atualmente, diz. Não temos medo daquilo que é igual (homo - igual; phobos - medo), e particularmente, não consigo entender o porquê da colocação desta palavra para dizer o que ela nunca disse. Na contemporaneidade, não aceitar ou ser veementemente contra, é ter medo. Mas eu sei o que pode ser: é que 'desconstruir' está em alta. "Desconstruimos o modelo familiar, desconstruimos a democracia, desconstruimos até mesmo a Constituição, por que não uma simples palavra?", pensam os iluministas contemporâneos, que teimam em ser inimigos do "antigo regime".

Entretanto, se quiserem rotular-me  como um fóbico, não tenho medo. Se os homens têm o direito de casar com outros homens, por mais que isso seja tão repugnante, também tenho o direito de me expor contrariamente. Se quiserem me prender, que prendam! pra quê estar livre em uma sociedade onde a democracia está morta? é a pior das contradições!

Dói profundo pensar e dizer que, no desenrolar dos séculos, onde os homens deveriam avançar para a progressão mental, tudo o que vemos são homens ainda mais inscientes, que só porque toleram homens beijando homens, acham que são "progredidos". Na verdade, estes tais são os mais retrógrados dos homens, pois se eu trago a mentalidade do século passado, estes trazem a mentalidade pecaminosa do primeiro homem. Que vergonha da minha pátria neste dia! tal vergonha não senti nem mesmo na tragédia do Sarriá. Os homens beijam homens!

A ética pluralista, esta que tem sido maestrina do pensamento do homem pós-moderno, ensina que o doente não é quem sente prazer na união de sexos iguais, mas quem tem aversão. Seriedade à parte, sou um louco desvairado, andando pelas ruas. Preparem, pois, um hospício para cada sanidade mental deste Brasil!

Não posso compactar com homens que se apaixonam pelo homo, pois os tais querem se escorar nos negros, enquanto nem de perto se igualam. Que abismo profundo existe entre o racismo e o homossexualismo! Quem foi o boçal que uma vez os comparou? se querem falar de preconceitos, teremos que concordar na tese: negros são, homossexuais escolhem ser; negros nascem negros, mas nenhum menino nasce com a natureza pervertida, senão pelo erro inicial. Nenhum pai, na história da humanidade, colocou o nome "Maria das Dores" no menino que nasceu, porque o tal já possuia traços afeminados.

Homens não beijam homens. Serei sempre a favor da miscigenação, aliás, sou fruto disto, pois tenho em meu sangue o embolar das diversas raças, mas não me interarei com o pluralismo só porque é ele quem dita as regras no século que está. Não sou dado à regras, não obstante, ainda possua absolutos. É fato que, a cada novo século, o homem que tem ideais está tendo de curvar-se à esta época contemporânea, mas eu não o serei. Que se renda tu, mas a mim, deixe-me aqui, neste canto lúgubre, até que morra, sentindo o prazer de ter partido um subvertido. Que tempos os nossos! E que costumes!

1 de maio de 2011

Ansiedade.

Ansiedade. Quando vem, vem carregada de ferocidade e nenhum resquício de amabilidade. Vem e tira o sono, vem e tira a cama, vem e tira a calma, vem e nos adorna de incoerência. Traz com ela utopias, na maioria das vezes manipuladas para o (des)prazer e o (in)sucesso.  Quem não cai em suas garras, certamente não sabe o que é viver neste tempo secularizado e pós-moderno, regido pelas ansiedades. Vivemos ansiosos, e não temos culpa disto. Vivemos deste jeito porque frequentemente abrimos mão do "de sempre" e do comumente aceito para abraçarmos o novo, o inusitado, o interessante. O novo leva a ansiedade, nunca o velho. Eu não despertarei minha ansiedade para amanhã, se souber que farei as mesmas coisas que fiz ontem e hoje. Mas se no tal amanhã houver algo novo e eu souber que ele vem, ansioso estarei, pernoitarei de olhos fixos na realidade, até que venha. Posso perder uma boa noite de sono e ter dor de cabeça no dia seguinte, mas se o dia chegar, o motivo da minha ansiedade virá a mim e a tal irá dormir, até que apareça um novo motivo para me fazer ficar ansioso. Perderei cabelo, sono, unhas, lucidez, mas não a esperança. Prefiro ficar acordado pela ansiedade do que ir dormir desacreditado. Já diz o ditado: "há males, que vem para bem".

Cleison Brugger